3/10/2021

Eu fico besta quando me entendem (Hilda Hilst)

Na Assembleia Geral Ordinária (AGO), de agosto de 2019, da Academia Joseense de Letras (AJL), tivemos o privilégio de contar com a ilustre presença de Dona Ângela Savastano, isso, ela mesma, o mito, a lenda viva do folclore da cidade de São José dos Campos e região. Dentre tantos ensinamentos daquela noite, o que mais chamou minha atenção foi quando ela explicou o chamado Gráfico da Cultura Erudita (eixo vertical) versus Cultura Popular (eixo horizontal), onde a cultura erudita é tudo aquilo que aprendemos na academia, nas escolas, onde nos encontramos iguais aos demais e aprendemos coisas juntamente com outras pessoas através da instrução de alguém e a cultura popular representa aquilo que aprendemos, de forma ímpar e singular, através dos costumes e tradições no meio em que vivemos e convivemos. Neste contexto, Savastano foi muito assertiva em dizer que “a igualdade une as pessoas e a diferença enriquece as pessoas” e, deste modo, “conseguimos considerar melhor as outras pessoas não pela sua aparência mas pelo o que elas trazem de conhecimento consigo”.

Assim sendo, a cultura erudita deu-me condições de estar, hoje, membro efetivo da AJL, onde ocupo a cadeira número oito cuja patrona é a escritora Hilda Hilst, local onde vou aperfeiçoando os saberes da minha cultura popular, uma vez que a AJL é composta por escritores, poetas, empresários, editores, advogados, atores, doutores, desembargadores, músicos, engenheiros, profissionais do audiovisual e até cineastas. E um dos principais motivos de eu compor esta seleta equipe é o fato deles acreditarem que eu possa contribuir com o grupo e, principalmente, com a sociedade através das histórias mostradas pelo canal Pode Cornettah (PC), sejam pelos textos escritos no blog, pelos vídeos postados no canal do youtube ou seja pelos áudios do podcast.

A ideia de criar o PC nasceu na mesa da cozinha da casa da minha mãe, Bernadete, onde estávamos eu, meu irmão Camilo, nosso amigo Leandro e um velho amigo da família, o "tio" Antônio Corneta. Resolvemos que seriam gerados materiais no formato podcast onde falaríamos assuntos voltados tão somente ao catolicismo. Após este encontro, ali na cozinha, eu fiquei pensando no nome do nosso podcast e o sobrenome, Corneta, não saía da minha mente. Cismei que teria que ser algo vinculado ao fato de podermos cornetar, à vontade, sobre o que considerávamos coisas boas, afinal, o filtro e a censura estavam em nossas mãos. Aí a imaginação tomou conta: Podcast do Corneta... CornetaCast... CornetaPod... PodCorneta... PodCornettá. Isso, era isso! Pod de Podcast somado ao Cornettá. Para dar ênfase ao verbo, tinha que transformá-lo em interjeição, por isso batizei com dois tês e acento circunflexo na vogal A. Confesso que, visualmente, não estava me caindo bem o PodCornettá com D mudo, afinal, a pronúncia ficava algo assim: Pôude. Foi aí que, com a dica do amigo João Pedro, rebatizamos para, o que é hoje, Pode Cornettah, onde a pronúncia do verbo poder é como se tivéssemos um acento circunflexo na letra O, Póde, e o verbo conetar tomou o função de interjeição pela presença da letra H.

Camilo chegou a fazer dois pilotos solos de podcasts, um falando sobre os sacramento e o outro falando sobre a importância da confissão. Não chegamos a publicá-los talvez pelo alto nível teológico ou algum outro motivo que não me lembro agora. Com o tempo passando, minhas ideias fervilhando, o crescimento da minha ânsia pela fomentação e divulgação da nossa cultura e os constantes desencontros deste nosso grupo inicial, resolvi dar o ponta pé nesta trajetória em dezembro de 2015. Daí em diante muita coisa boa vem sendo publicada e muita história boa vem sendo contada. Não buscamos seguidores e nem curtidores de perfis em redes sociais, buscamos pessoas sedentas por conhecimento pela nossa cultura. Num processo natural, partimos dos textos, passamos para vídeos e chegamos aos podcasts. Cada encontro, cada texto, cada história é um aprendizado diferente e, todas sem exceção, tem um ponto em comum: acreditam na força, na diversidade e na capacidade cultural deste nosso querido Brasil.


A oportunidade de escrever sobre o PC neste momento me lembra a palavra gratidão. Gratidão as pessoas que contribuíram com relatos, entrevistas, histórias, fotografias, vinheta, críticas, sugestões, empréstimo de lugares físicos, parcerias e patrocínios. Tudo isso, junto e misturado, leva-me muitas vezes a uma dúvida cruel: Pode ou não pode? E eu vos digo: Claro que Pode! Mas, pode ou não pode, o quê? Cornetar ou Cornettah? A resposta é que, através da cultura, podemos tudo: aceitamos o Verbo e a Interjeição! E qual a diferença entre eles? Cornetar é a representação da ação através do verbo no infinitivo, ou seja, a forma correta de escrever e Cornettah é a representação da ação através da interjeição, ou seja, é a forma coloquial de como pronunciamos o verbo cornetar.

Então para que eu possa Cornettah à vontade sobre coisas boas e crie conteúdo em diversas plataformas, é necessário que existam pessoas dispostas a recebê-los. Isto é comunicação, tem-se um emissor e um receptor, deve haver disposição de ambas as partes, o que me remete ao que diz o cantor, compositor, poeta e militante Fenando Anitelli: os dispostos se atraem e os opostos se distraem.

Por mais que tenhamos dúvidas, questionamentos e incertezas, meus caros leitores, sigamos em frente, pois como já dizia Antônio Abujamra, no programa Provocações da TV Cultura, "é preciso idolatrar a dúvida". Ele também perguntava, provocativamente, aos seus entrevistados: "como você quer morrer, com aquele negócio assim, no nariz"? E, desta maneira, era capaz de deixar filósofos, doutores e estudiosos embaraçados quando não conseguiam responder: "O que é a vida"?

E o que é a vida? Hilda Hilst tenta nos responder pela sua trajetória literária. Passou anos escrevendo crônicas, dramaturgias e romances, mas só foi notada como uma grande escritora quando começou a escrever contos eróticos, quando ela começou a escrever sobre o que todos são capazes de sentir, mas ninguém tem coragem de falar e muito menos de escrever. Ela tornou-se uma das maiores escritoras do século XX da Língua Portuguesa por sua forma de escrita questionadora, provocativa e polêmica. Nesta busca incessante por querer ser ouvido, assemelho-me a ela, porque através do Pode Cornettah vou mostrando meu lugar de fala, fazendo com que as pessoas ouçam coisas que eu jamais seria capaz de escrever ou produzir se eu considerasse minha vida corporativa suficiente como forma de expressão.

Uns dizem que somos a média das cinco pessoas com que mais convivemos, outros dizem que somos aquilo que comemos e outros, ainda, dizem que somos aquilo que lemos, arrisco-me a dizer que somos isso tudo e mais um pouco, somos tudo numa coisa só, somos tudo junto e misturado. Portanto, sintamo-nos afetados um pelo afeto do outro, uma pela dúvida do outro, um pela provocação do outro, um pela vida do outro para que, ao fim de tudo, um possa dizer ao outro: “Eu fico besta quando me entendem”.