2/19/2021

Caixa branca da aviação

Se eu te perguntasse o que você fez nos últimos 20 anos, o que responderia? E se você me perguntasse por onde andei nos últimos 20 anos, eu responderia: passei os últimos 20 anos dentro da caixa branca da aviação. Existe a caixa preta do avião, a que todo mundo conhece, aquela que guarda todo o histórico dos voos e tem consigo, de certa maneira, o DNA do avião. Como diz Sérgio Vaz: como poeta posso ser engenheiro, como tal, tomei a liberdade de batizar de caixa branca da aviação, os prédios de alvenaria, os galpões da fábrica, os locais físicos onde eu e muitos colegas passamos grande parte de nossos dias, projetando, montando, trabalhando, criando, buscando soluções, enfim, fabricando aviões. Antes da pandemia eu pensava: enquanto o sol brilha lá fora, nós ficamos dentro da caixa branca fazedora de aviões.

Foi um processo um pouco árduo até eu consegui entrar na EMBRAER. Ao todo, fiz oito testes, entre eles, para áreas de processo, estamparia, recebimento, estágio e qualidade. Após o término do curso, técnico em mecânica na ETEP, eu ingressei na EEI (Escola de Engenharia Industrial) e na faculdade a grande maioria dos alunos já trabalhava na EMBRAER e muitos deles na área de projeto. Eles falavam do trabalho com brilho nos olhos e aquilo acendeu uma chama dentro de mim, comecei a querer aquilo para mim também, não como inveja deles, mas como capacidade de fazer algo grandioso. E deu certo. Um belo dia me chamaram para fazer um processo seletivo para área de projeto, quase não fui, afinal, se eu não tinha passado até ali, era naquele que não passaria. Mas como não tinha nada à perder, lá fui eu. Alguns dias depois me ligaram dizendo que a vaga era minha, topei na hora e deixei, na época, o estágio na Proshock System, uma empresa de suspensão de bicicleta.

Dia 19 de fevereiro de 2001. Lembro-me como se fosse hoje. Primeiro dia de trabalho na EMBRAER. Lembro da sensação, do frio na barriga, as pernas tremendo. A passagem pela portaria, o processo de integração, conhecer a área e o time com quem trabalharia. Fui compor o time de Projeto de Interiores do cockpit dos jatos comerciais da família EMBRAER 170/190 onde fiquei por, aproximadamente, cinco anos. Depois, trabalhei por 2 anos no programa do maior avião executivo já feito pela empresa, o Lineage 1000. Depois, trabalhei por dois anos e meio nos aviões executivos da família Legacy 600/650. Depois fui para minha primeira passagem, de três anos, no programa de defesa na aeronave KC-390, maior aeronave e maior desafio técnico já realizado pela Embraer, onde tive a oportunidade de mudar de Projeto de Interiores para Projeto de Sistemas Ambientais. Depois, trabalhei por, aproximadamente, seis anos no programa dos jatos comerciais da família E190/175E2. E faz um ano e meio que estou de volta ao programa de defesa no programa KC-390, onde tive a felicidade de retornar ao time de projeto de interiores. Está sendo uma boa jornada, costumo dizer que andei de lado na minha carreira e não para cima, mas tenho orgulho da minha trajetória profissional, pois as portas foram sendo abertas a medida que a capacidade técnica ia aumentando. E, o melhor de tudo, é que vou seguindo a minha intuição nesta trajetória aeronáutica.

Ingressei na empresa ocupando o cargo de projetista e, anos mais tarde, fui promovido a engenheiro de desenvolvimento de produto e, embora, seja uma carreira comum, ela se faz singular, pelo simples fato de ser minha. Não citarei nomes de pessoas importantes e significativas, positiva e negativamente, para não ser injusto. Assim como a morte e, mesmo tendo um sentimento enorme de gratidão e satisfação por esta trajetória, é certo que um dia irei parar de trabalhar na EMBRAER, não por maldade, mas pela lógica mesmo. Será, basicamente, por uma destas quatro razões: posso morrer a qualquer momento, posso me aposentar na empresa, posso ser demitido e posso pedir demissão. Parece irônico, mas tenho me preparado para isso, afinal, tudo é eterno enquanto dura.

Eu sou ali do jardim da  granja, da época que o estacionamento da EMBRAER era aberto e divido por uma rua púbica, andávamos ali de bicicletas aos domingos, não fazia ideia que este dia de trabalhar lá chegaria. Chegou e dentro da caixa branca da aviação existe um mundo de aprendizagem contínua, com DNA 100% brasileiro, pois começou com o sonho de voar de Alberto Santos Dumont, passou pelo sonho de fazer aviões do Engenheiro Ozires Silva e hoje faz parte da nossa realidade.

Neste meio tempo me formei em Engenharia Industrial Mecânica, cursei pós graduação em Design de Interiores, meu pai faleceu, eu casei, meus filhos nasceram, entrei para Academia Joseense de Letras, participei de bancas de TCC e criei o Pode Cornettah. Assim como uma relação de casamento, cada lado tem seus sonhos e sua vida, há momentos bons, há momentos ruins, há momentos ótimos e momentos péssimos. Vamos no tornando mais fortes a cada crise que passamos juntos. E nesta relação, tenho convicção que trabalhar comigo não é uma tarefa muito simples, sou uma cara ranzinza de manhã e mal humorado o resto do dia. Mas tenho, lá no fundo, o meu carisma. Aliás, está ai uma boa pergunta: o que de fato as pessoas pensam de mim?

Esta trajetória é favorável para entender qual a diferença entre os diferentes mercados da aviação. Na aviação comercial, o proprietário quer e precisa ganhar dinheiro com as passagens aéreas dos nossos aviões. Na aviação executiva, os proprietários utilizam nossos aviões para manter seu dinheiro em ascensão e no mercado de defesa, o proprietário usa o dinheiro para investir na segurança do seu território em prol de toda uma população. 

Já falei isso outras vezes, e sempre falo nas minha aulas de projeto, os momentos mais incríveis da aviação é quando presenciamos o roollout, que é a apresentação de uma aeronave para população e para imprensa. E, o momento mais incrível é, sem dúvida, o primeiro voo desta aeronave.

No mais, compor esta equipe comprometida e ocupar a caixa branca da aviação, durante esses 20 anos, são motivos de orgulho para mim, minha família, meus amigos e todos aqueles que acreditam no profissionalismo e no produto genuinamente brasileiros.

Grande Abraço,

Eduardo Caetano







9 comentários:

  1. Alberto Santos Dumont, brasileiro sonhador. Ozires Silva, brasileiro empreendedor. Eduardo Caetano, brasileiro sonhador, empreendedor,realizador e meu irmão! Parabéns, Dudu, orgulho de você!!!

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  2. Parabéns pela trajetória.
    Mas você sabe quanto é 1mm?
    Abraço.

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  3. Nossa, que pergunta capciosa, Anônimo!
    Se perguntasse se eu sei quanto é 300g, saberia quem é você!

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    1. Rapaz... tinha certeza que era você. Eu lembro o assunto (corda de emergência do cockpit) e a forma "sútil" de me ensinar sobre como calcular o peso de um produto perguntando se eu já havia comprado mortadela na minha vida. Obrigado pelos ensinamentos! Uma honra ter trabalhado com você, Dedé!

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  4. Se eu não conhece vc, até acreditaria .
    Isso é auto sabotagem, vc mesmo sabe que é um péssimo profissional.
    A Embraer é de uma forma geral uma ótima empresa, porém a chama de trabalhar no meio, se apaga aos poucos, por causa de profissionais péssimos,mesquinhos.
    Conheço excelentes profissionais e pessoas de bom caráter.
    Mas igual a vc tem de muitos lá dentro.
    Mas bola frente, a vida é uma escola.

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  5. Parabéns pela trajetória!! Nos projetos que fizemos parceria vc fez a diferença!
    Forte abraço do DJ

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  6. Uma honra ter trabalhado com você, DJ! Muito obrigado! Abcs!

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