2/18/2021

Como é possível... aceitar o outro?

"Uma das lembranças mais antigas que tenho sou eu soprando uma flor dente-de-leão para fazer um pedido. Eu tinha uns 3 anos e pedia a Deus para ser uma menininha. Por isso eu acredito Nele, não fosse por Ele eu não teria chegado aqui", disse Mayla, uma das irmãs gêmeas que passou pela cirurgia de readequação de sexo, ocorrida na última quarta-feira, 10 de fevereiro, no Hospital Santo Antônio, em Blumenau (SC). Obviamente que não conheço Mayla e Sofia (gêmeas e as mais jovens a passar por este tipo de cirurgia no país), nem suas histórias, suas trajetórias e suas crenças. Mas já me chama a atenção o fato de Mayla crer em Deus e não na religião que O representa.

E falando em religião (e readequação de sexo), este ano a Campanha da Fraternidade (CF), realizada pela Igreja Católica, trás o tema: “Fraternidade e Diálogo - compromisso de amor” com o lema: “Cristo é a nossa paz - do que era dividido, fez uma unidade” (Ef. 2.14). E este ano a CF é Ecumênica (CFE), fato que ocorre, em média, a cada 5 anos. Até aqui, tudo normal. 

O objetivo geral da CFE 2021 é:
  • Através do diálogo amoroso e do testemunho da unidade na diversidade, inspirados e inspiradas no amor de Cristo, convidar comunidades de fé e pessoas de boa vontade para pensar, avaliar e identificar caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual.
E os objetivos específicos são:
  • Denunciar as violências contra pessoas, povos e a Criação, em especial, as que usam o nome de Jesus;
  • Encorajar a justiça para a restauração da dignidade das pessoas, para a superação de conflitos e para alcançar a reconciliação social;
  • Animar o engajamento em ações concretas de amor à pessoa próxima;
  • Promover a conversão para a cultura do amor em lugar da cultura do ódio;
  • Fortalecer e celebrar a convivência ecumênica e inter-religiosa.

Eis um breve histórico cronológico das Campanhas da Fraternidade Ecumênicas ocorridas até hoje:
  • 2000 – Tema “Dignidade humana e paz” e lema “Novo milênio sem exclusões”;
  • 2005 – Tema “Solidariedade e paz” e lema “Felizes os que promovem a paz”;
  • 2010 – Tema “Economia e Vida” e lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”;
  • 2016 – Tema “Casa Comum, nossa responsabilidade” (tratou do meio ambiente e saneamento básico) e lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”.
Mas, por que a ala conservadora da Igreja Católica tem se posicionado contra a CFE 2021?

Primeiro, porque a Comissão da CFE 2021 é formada por representantes das igrejas-membro do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), tendo como igreja observadora a Igreja Betesda de São Paulo e tem, como membro fraterno, o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e à Educação Popular (Ceseep).

Em segundo lugar, porque o texto-base da CFE 2021 é de autoria do CONIC e não da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), como é feito todos os anos. Se não é elaborado pela CNBB, isso implica na ausência, por exemplo, de citações sobre Nossa Senhora. Mas se a campanha é para ser fraterna, sem problemas.

E, em terceiro lugar, o texto base faz críticas ferrenhas a forma que o governo combateu (ou não) a pandemia do novo coronavírus e também trás uma defesa inédita à população LGBTQI+, além de sugerir que a arrecadação financeira do Domingos de Ramos seja toda revertida para esta população. Ao defender a população LGBTQI+, o texto-base cita, por exemplo, Marielle Franco. Marielle, presente. Maria, Mãe de Deus, ausente. Mas se o texto é de autoria da comissão CFE 2021, logo, Nossa Senhora não é fundamental mesmo. Temos que atentar para o seguinte: o texto-base é de autoria do CONIC, sim, mas o responsável- aprovador pela redação e publicação, foi a CNBB, portanto, aos olhos do Vaticano, está tudo certo. Se para o Santo Padre, o Papa Francisco, está bom assim, quem somos nós para acharmos ruim?

Buscando informações sobre o que clama a ala conservadora, deparei-me com pautas muito complicadas para minha limitada teologia que vai apenas à face de leigo cristão e bem longe de ser um estudioso. Temas como extrema esquerda, Teologia da Libertação, Leonardo Boff, são muito além do que tange a minha vã teologia. Ainda sim, vou cornetar, pois sou católico, acredito no catecismo e em toda a fé que baseia-se o catolicismo.

Antes, porém, o termo Conservador me remete à época em que eu fiz o curso técnico na ETEP, pois quando um aluno repetia de semestre, dizíamos que ele havia conservado, ou seja, ia fazer tudo de novo, repetir tudo de novo, atrasar, não evoluir, ia ficar estagnado, enfim, seria castigado.

Contudo, é lamentável justificar o texto-base como se governo atual fosse culpado por toda a injustiça citada, fazendo do altar de nossas igrejas palanques para discussão entre bolsonaristas e esquerdistas. É preciso separar o joio do trigo. É uma questão cultural, está nas nossas entranhas a não aceitação do outro. Temos, como seres humanos medíocres, o triste hábito de rejeitar ao invés de abraçar o próximo. O fato de não concordar com as escolhas dos outros não nos dá, em hipóteses alguma, o direito de desrespeitá-lo. E se fosse com você? E se fosse na sua família? A tentativa de nos colocar no lugar do outro é um exercício muito válido. Eu, embora, branco, héterossexual, classe média, de boa família, até hoje sofro bullying por ficar vermelho quando estou no centro das atenções, seja por nervosismo, vergonha, timidez ou importância. E falo com conhecimento de causa: não é legal ser motivo de chacota. Até eu aprender que isso acontece devido à uma defesa fisiológica do meu organismo, demorei muito para aprender a me posicionar e saber meu lugar de fala.

A música proposta pelo texto-base é bem conhecida, chamada Momento Novo. E se Deus chama a gente pra um momento novo, não seria esta a hora realmente oportuna para de transformar o que não dá mais? Porque sozinho, isolado, ninguém é capaz. Claro, não é possível crer que tudo é fácil, mas há muita força que produz a morte, gerando dor, tristeza e desolação. Sim, é mais que necessário unir o cordão. Vamos, todos, entrar nesta roda e caminhar juntos, como povo de Deus. Cada um, eu, você, o héterossexual, o homossexual, o transgênero, o rico, o pobre, o índio, o branco, o negro, é muito importante nesta roda ecumênica.

Ao se opor o que a CFE 2021 propõe, os ditos católicos conservadores elevam ao máximo o esquecimento do mandamento deixado por Jesus, amar o próximo como a ti mesmo, e ficam estagnados, repetem velhas ações e tradições que em nada se assemelham aos ensinamentos de Jesus. Claro que é importante contestar mas, não obstante, é primordial respeitar e buscar a compreender as decisões alheias.

Aliás e se Jesus voltasse hoje, agora, aqui no Brasil, quais doze apóstolos ele escolheria? 
O conservador católico? Não!
O pastor famoso da igreja protestante? Não!
Eu, branco, héterossexual, classe média, boa família? Não!
Onde Ele iria garimpar seus novos apóstolos?
No templo de Salomão, onde impera o dinheiro? Não!
Na Basílica Nacional de Aparecida, onde virou uma casa de comércio? Com certeza, não!

Desculpe-me pela notícia, mas seguindo a lógica que Ele mesmo cansou de ensinar, os escolhidos de hoje seriam o pobre, o favelado, o negro, o índio, o pai de família fracassado, o profissional desacreditado, o senador corrupto, o homessexual humilhado, o transgênero desrespeitado, a mulher assediada, o deficiente físico e o traidor. E sim, eles viriam de lugares inóspitos, simples, esquecidos, de difícil acesso, da rua, dos bares, das favelas, dos ônibus lotados, das aldeias, das ocupações, dos cárceres privados, das prisões. Não viriam das grandes igrejas ou dos templos gigantescos, afinal, nós somos a igreja de Cristo. 

Será o respeito o melhor caminho à seguir ou estamos prestes a presenciar uma nova ruptura na Igreja Católica?

Enfim, se você leu até aqui, obrigado por investir seu tempo precioso!

Então, deixe seu comentário, porque aqui, pode cornettah!

Ah, este assunto foi sugerido pelo Daniel Galioti (Balanga). Dê, você também, a sua sugestão!

E não esqueçam de acessar os links para que possam conhecer um pouco mais sobre a CFE 2021.

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/02/12/gemeas-trans-cirurgia-inedita-mudanca-sexo.htm

https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2021/02/12/gemeas-de-19-anos-fazem-cirurgia-de-readequacao-de-sexo-em-hospital-de-sc-transicao-exige-acompanhamento-por-dois-anos-diz-especialista.ghtml

https://youtu.be/Uc8Slv0hvJU


Grande abraço,

Eduardo Caetano


4 comentários:

  1. Ainda li pouco sobre a CFE 2021 mas vi um post ontem que me chamou a atenção pra ela. Na vdd estou um pouco afastado da Igreja, mais do que de Deus, mais ainda assim distante do que já fui e muito talvez por não estar passando por um momento conservador e com isso a "Igreja" me isolou, enfim não quero falar disso agora.
    Concordo plenamente com seu texto e curti muito a analogia com o tempo de ETEP para explicar o conservadorismo, não sou um deles, mas também não estou do outro lado.
    O Catecismo precisa sim ser seguido, mas realmente as pessoas que estão dentro da Igreja em sua maioria não entendem que todos devem ser acolhidos independente de qualquer coisa e parafraseando Jesus eu diria "quem os constituiu juiz entre nós?" se até Jesus não se colocou como tal.
    E ainda falando sobre CNBB não são eles que regem as regras da igreja no Brasil, sendo o núncio apostólico o único com poderes para reconhecer em nome do Papa toda ação da igreja no Brasil e desta forma não reconheço a CFE já há algum tempo como algo a ser seguido, mas a discussão do tema é muito válida.

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    1. Show de bola, Edney! Obrigado pela leitura e participação!

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  2. Recomendo muito esse vídeo retirado do catecismo, bem como todos os outros vídeos do canal. Um abraço.
    https://youtu.be/ijKvEhi9zXI

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  3. Concordamos em discordar, Balanga. E isso já é um bom começo! Mais uma vez, obrigado pela leitura! Abcs!

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